Skip to main content
SEGURANÇA ONLINE:

Euro Digital: Uma Introdução

Carlos Andrade, Chief Economist

 

Digitalização crescente dos pagamentos

  • Inovações tecnológicas e alterações nos comportamentos.

    Uma das principais tendências estruturais que a Covid-19 veio acelerar foi a da digitalização da actividade económica. Para além de novas formas de produção e comercialização de bens e serviços, esta tendência abrange alterações nos hábitos de pagamentos. O numerário tem perdido peso a favor de alternativas digitais como os cartões, os pagamentos contactless, ou os pagamentos por smartphone e smartwatch. Em algumas economias avançadas (e.g. EUA, Reino Unido, Suécia), o share dos pagamentos em cash recuou, na última década, de 50%-55% para 10%-30%. Na China, este share recuou de 99% para 40% (ou para 10% nas grandes cidades).

    Ao mesmo tempo, desenvolvimentos tecnológicos como a blockchain (permitindo o registo e armazenamento descentralizado de dados e transacções) levou ao aparecimento de "activos" digitais, como as chamadas criptomoedas (e.g. Bitcoin, Ether), que têm sido alvo de entusiasmo nos mercados financeiros. Em rigor, estes "activos" não cumprem as funções de uma moeda. A sua elevada volatilidade, os pesados custos de transacção, falta de transparência, ineficiência energética e ausência de aceitabilidade geral impedem a sua utilização como unidade de conta, meio de pagamento e reserva de valor. Alternativas como as stablecoins (e.g. Tether), criptomoedas que procuram uma maior estabilidade do seu valor através de uma ligação a divisas, ouro, etc., não resolvem todos aqueles problemas. Ainda assim, em 2020 a Facebook anunciou o projecto de criação de uma stablecoin (Libra, entretanto rebaptizada Diem). O elemento comum ao desenvolvimento destas criptomoedas pouco regulamentadas é o desafio aos sistemas de pagamentos mainstream, geridos de forma centralizada.

Bancos Centrais avaliam divisas digitais

  • BCE decide em 2021 se avança com o Euro Digital.

    Neste contexto, 80% dos Bancos Centrais a nível global avaliam ou desenvolvem, neste momento, projectos de divisas digitais (Central Bank Digital Currencies, ou CBDCs), procurando responder à evolução dos hábitos de pagamentos e à ameaça de generalização de "activos" digitais privados e não regulamentados. A China e a Suécia apresentam algum avanço neste processo, tendo já em curso fases experimentais do yuan digital e do e-Krona. Na Zona Euro, o BCE - após um período de consulta pública - irá decidir em meados de 2021 se avança com o projecto de um euro digital.

Central Bank Digital Currencies a caminho.

  • CBCDs serão um complemento às formas de moeda actuais.

    Tradicionalmente, e em termos simplificados, a moeda numa economia pode ser um passivo do Banco Central (caso das notas e moedas em circulação e dos depósitos/reservas dos bancos comerciais no Banco Central) ou um passivo dos bancos comerciais (e.g. os depósitos dos seus clientes). O euro digital poderia ser definido como moeda em formato digital correspondendo a um passivo do Banco Central (CBDC), mas disponível a todos os indivíduos e empresas, para utilização em pagamentos, em complemento às outras formas de moeda existentes. Em concreto, o euro digital poderia ser disponibilizado pelo Banco Central na carteira digital de uma pessoa (acessível, por exemplo, através de um computador, smartphone, etc.). Poderia basear-se na movimentação de contas individuais detidas directamente junto da autoridade monetária, que verificaria a identidade das partes e procederia à compensação dos movimentos (aproveitando e adaptando infraestruturas de pagamentos já existentes); ou poderia basear-se numa solução de tokens ao portador (i.e. "moedas" ou "fichas" digitais), com as transacções e a compensação dos movimentos feitas directamente entre as partes, por exemplo através de registos descentralizados (e.g. distributed ledger technology, como a blockchain).

Euro Digital é inevitável nos próximos anos.

  • Adopção de moedas digitais externas traria problemas.

    Embora levante desafios de execução muito difíceis, a adopção do euro digital deverá ser inevitável. Na sua ausência, as tendências atrás referidas poderiam levar à adopção e utilização generalizada, por parte da população da Zona Euro, de moedas digitais de outros Bancos Centrais, de moedas privadas ou de activos digitais pouco transparentes e não regulados. Na medida em que isso poderia reduzir a influência e eficácia da política monetária do BCE (gerando instabilidade económica e financeira), ou levantar sérias questões de privacidade (em teoria, os movimentos de uma divisa digital poderiam ser monitorizados), a soberania da Zona Euro e dos seus Estados-membros poderia ser posta em causa (ver Parte II deste GPS).

Riscos de soberania forçam o euro digital.

  • Activos digitais externos e privados são uma realidade.

    "Uma Introdução", abordou o peso crescente de meios digitais nos pagamentos, fruto de inovações tecnológicas e de alterações nos hábitos de pagamento. Neste contexto, a maioria dos Bancos Centrais - incluindo o BCE - avalia, actualmente, a criação de Central Bank Digital Currencies (CBDCs). O euro digital poderia ser definido como moeda em formato digital correspondendo a um passivo do Banco Central, mas disponível a todos os indivíduos e empresas, para utilização em pagamentos, em complemento às outras formas de moeda existentes.

    A criação de um Euro Digital levanta problemas de execução difíceis. Mas a sua necessidade parece ser evidente. Outras CBDCs serão, seguramente, criadas no curto e médio prazo (o Banco Central da China tem já o yuan digital em fase experimental); projectos de "moedas" digitais privadas encontram-se também em desenvolvimento (e.g. a Libra/Diem, da Facebook); e alguns "activos" digitais (e.g. Bitcoin) têm - apesar de diversos problemas, como falta de transparência e de regulação - atraído um interesse crescente nos mercados financeiros, sendo usados como meio de pagamento (ainda que não generalizado). A eventual adesão por parte de consumidores e empresas a estes meios digitais alternativos, em substituição do euro, iria gerar, potencialmente, diversos problemas, incluindo: (i) a redução da eficácia da política monetária do BCE; (ii) riscos para a estabilidade cambial e de preços; (iii) maior instabilidade económica; (iv) facilidade de levar a cabo actividades não declaradas ou ilegais, com o menor controlo sobre os fluxos monetários; e (iv) riscos de perda de privacidade e de exploração ilegítima dos dados pessoais associados aos fluxos de pagamentos. Todos estes aspectos poriam em causa a soberania da Zona Euro e dos seus Estados-membros.

Principais riscos.

  • Privacidade, segurança e intermediação financeira.

    Apesar de poder ser vista como inevitável, a criação do Euro digital envolve, potencialmente, diversos problemas e desafios, ainda em estudo. Se funcionar através da criação de contas individuais directamente junto do Banco Central, a CBDC pode enfraquecer o papel de intermediação financeira desempenhado pelos Bancos.

    Devido a uma percepção de maior segurança, as pessoas poderiam privilegiar, sobretudo em períodos de instabilidade económica, os depósitos em euros digitais no Banco Central, à custa dos depósitos tradicionais nos Bancos. Em resultado, estes tenderiam a aumentar a dependência do wholesale funding e a sofrer uma pressão para elevar a remuneração dos depósitos, penalizando a rendibilidade. Em consequência, os Bancos tenderiam a assumir mais risco e a cobrar mais pela concessão de crédito. Outro resultado de uma relação menos próxima entre clientes e Bancos seria um menor conhecimento dos primeiros pelos segundos, prejudicando as decisões de concessão de crédito e, logo, a eficiência na afectação de recursos na economia. É importante notar, contudo, que o BCE tem reafirmado a ideia de que o euro digital seria implementado através de sinergias com os Bancos, mitigando estes riscos. Outras preocupações incluem a segurança (e.g. risco de ataques informáticos, possibilidade de falhas de energia, necessidade - ou não - de as operações serem feitas online) e, last but not least, a defesa da privacidade, que deve ser balanceada com a necessidade de combate ao branquamento de capitais e ao financiamento do terrorismo.

Principais vantagens.

  • Custos, inclusão, ambiente, eficácia da política monetária.

    Apesar de todos estes desafios, o Euro digital apresenta diversos benefícios, incluindo: (i) maior facilidade e menores custos nos pagamentos e transferências (domésticos e internacionais); (ii) a possibilidade de maior inclusão financeira, i.e. alargamento da população utilizadora de serviços bancários; (iii) a redução dos custos ambientais (face à utilização de numerário) e dos custos energéticos (face às "criptomoedas"); e (iv) o potencial aumento da eficácia da política monetária, com o Banco Central a poder influenciar directamente o comportamento de indivíduos e empresas através das suas contas de CBDCs (teoricamente, esta vantagem poderia ser acentuada pela possibilidade de "programação" dos euros digitais disponibilizados num determinado momento). Em função de todos estes factores, o euro digital parece inevitável. Mas a sua criação deverá demorar ainda alguns anos.

Artigos anteriores

Silver Economy - Desafios e Oportunidades

g

Silver Economy - Desafios e Oportunidades

A neutralidade carbónica em Portugal

g

A neutralidade carbónica em Portugal

Acordo sobre o Brexit afasta piores cenários, mas não afasta impactos negativos

Abertura conta online

Acordo sobre o Brexit afasta piores cenários, mas não afasta impactos negativos

O hidrogénio em Portugal - um emergente vetor energético

g

O hidrogénio em Portugal - um emergente vetor energético

O futuro do teletrabalho

g

O futuro do teletrabalho

O Turismo no Algarve

Abertura conta online

O Turismo no Algarve

Quais as perspectivas para uma vacina anti-Covid 19?

g

Quais as perspectivas para uma vacina anti-Covid 19?

A economia portuguesa no contexto Covid 19

g

A economia portuguesa no contexto Covid 19

Covid 19 | Transformações na gestão das empresas

g

Covid 19 | Transformações na gestão das empresas

Perspetivas para o setor do turismo no pós-Covid 19

Abertura conta online

Perspetivas para o setor do turismo no pós-Covid 19

O Setor Agroalimentar - Compras Online em cenário Covid 19 e perspetivas para o futuro

g

O Setor Agroalimentar - Compras Online em cenário Covid 19 e perspetivas para o futuro

O Setor Agroalimentar e os impactos do Covid 19

g

O Setor Agroalimentar e os impactos do Covid 19

Principais tendências pós Covid 19

g

Principais tendências pós Covid 19