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Agricultura e Agroindústria
Transição Energética no Setor Agroalimentar
A energia é o principal motor do desenvolvimento económico global, viabilizando a atividade humana nas suas diversas vertentes. Contudo, a dependência de combustíveis fósseis continua a constituir um obstáculo relevante à concretização da neutralidade carbónica, não obstante os esforços consideráveis desenvolvidos nos últimos anos para promover a transição energética, evidenciados por diversos exemplos em Portugal e na Europa.
Reconhecida como uma área estratégica, a energia ocupa lugar de destaque na Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável, adotada por todos os Estados-Membros das Nações Unidas em 2015. O Objetivo de Desenvolvimento Sustentável 7 (ODS7) estabelece dois eixos centrais: o aumento da eficiência energética e a diversificação das fontes de energia.
Tanto o Pacto Ecológico Europeu como o Plano Nacional de Energia e Clima estão alinhados com as Metas da Organização das Nações Unidas, na medida da eficiência energética e diversificação das fontes de energia. Estes instrumentos incorporam ainda uma dimensão crucial: a otimização e a soberania do mercado interno de energia.
De acordo com o Balanço Energético Nacional 2023, elaborado pela Direção-Geral de Energia e Geologia, mais de 70% da energia consumida diretamente pelos utilizadores finais em Portugal, no ano de 2023, distribuiu-se, essencialmente, pelos seguintes consumos: petróleo (38%), eletricidade (25%) e gás natural (10%), entre outros.
Apesar de o petróleo e o gás natural serem fontes de energia fósseis, a produção de eletricidade em Portugal tem vindo a reduzir, de forma progressiva, a sua dependência destas fontes. Em 2023, aproximadamente 60% da eletricidade gerada no território nacional teve origem em fontes renováveis, com destaque para a energia hídrica e a energia eólica, que, em conjunto, representaram 48% do total. Adicionalmente, nesse mesmo ano, 20% da eletricidade consumida foi importada, podendo uma parte desta ter igualmente origem em fontes renováveis. No âmbito da produção de eletricidade a partir de fontes fósseis, registaram-se progressos: o recurso ao carvão foi completamente eliminado em 2022 e, em 2023, observou-se uma redução de 13% no consumo de gás natural face ao ano anterior.
Distribuição da Produção de Energia Elétrica 2019-2023 (REN)
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Figura 1. Distribuição da Produção de Energia Elétrica 2019-2023 (Redes Energéticas Nacionais – Dados Técnicos 2020-2023)
De acordo com o Balanço Energético Nacional 2023, desenvolvido pela Direção-Geral de Energia e Geologia, a distribuição do consumo energético em Portugal por setor revela que a maior parte é atribuída ao transporte rodoviário (35%), seguido pelo consumo doméstico (18%), pelos serviços (15%) e pelas indústrias do papel e do cimento (11%). O setor agroalimentar, que abrange a agricultura e a indústria, representa cerca de 5% do consumo energético nacional.
Embora o consumo energético do setor agroalimentar seja relativamente baixo quando comparado com outros setores, a sua relevância económica é incontornável. Garantir uma oferta alimentar regular, acessível e segura, assim como a sustentabilidade dos territórios, exige que o setor agroalimentar seja integrado nas políticas e estratégias de transição energética.
A cadeia de valor agroalimentar estrutura-se em várias etapas - que de forma geral compreendem a produção, o processamento e a distribuição e consumo. As políticas e estratégias de transição energética para o setor agroalimentar devem abranger todas as etapas da cadeia de valor, considerando as características de cada fase.
Distribuição do Consumo de Energia por Etapa no Setor Agroalimentar a Nível Global (FAO, 2019)
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Figura 2. Distribuição do Consumo de Energia por Etapa no Setor Agroalimentar a Nível Global
(Renewable Energy for Agri-Food Systems, FAO, 2019)
Um case study publicado pela Helexia Portugal, Deloitte e PLMJ em 2024, apresenta uma abordagem abrangente e integrada para a transição energética no setor agroalimentar, explorando os eixos mencionados e introduzindo novas soluções.
De acordo com o case study, a otimização da eficiência energética surge como uma prioridade estratégica para o setor agroalimentar, com o potencial de reduzir o consumo de energia até 30%. A implementação de boas práticas em cada fase da cadeia de valor pode ser uma abordagem eficaz, recorrendo à monitorização do consumo como ferramenta de apoio à tomada de decisão, à implementação de tecnologias mais eficientes, à eliminação de equipamentos com elevado desperdício energético, à manutenção preventiva e corretiva e à formação contínua dos colaboradores.
No que se refere à diversificação das fontes de energia, as diretrizes globais, europeias e nacionais apontam para a substituição progressiva dos combustíveis fósseis por fontes de energia renováveis. Analisando as etapas da cadeia de valor agroalimentar, o cenário é semelhante ao panorama nacional. Predomina a utilização de combustíveis fósseis, como o petróleo ou o gás natural, e o consumo de energia elétrica.
A utilização de combustíveis fósseis é predominante no uso de combustíveis líquidos, como o gasóleo ou a gasolina, para a operação das máquinas agrícolas e o transporte de produtos, e o gás natural para processos de aquecimento. Algumas das alternativas podem incluir o uso de biocombustíveis, como o biodiesel ou o bioetanol, obtidos através do processamento de óleos vegetais e outras matérias-primas, ainda pouco expressivos a nível nacional. No entanto, esta alternativa apresenta alguns constrangimentos, pois, para ser implementada em grande escala, parte dos terrenos agrícolas passaria a ser dedicada à produção de culturas cuja principal finalidade não seria a alimentação humana, mas a produção de energia.
A eletrificação dos veículos, com a condição de serem carregados com eletricidade proveniente de fontes renováveis, é também uma solução com pouca expressão no contexto nacional – apenas 1,8% dos veículos são inteiramente elétricos.
Uma solução que se apresenta como mais favorável, pois se enquadra com várias prioridades estratégicas nacionais e europeias (transição energética e economia circular), é não produzir matérias-primas especificamente para biocombustíveis, mas, em vez disso, aproveitar subprodutos ou biomassa para a conversão em biocombustíveis. Caso estes subprodutos tenham origem no complexo agroalimentar, favorecem uma cadeia em circuito fechado.
Quanto ao gás natural, utilizado para processos de aquecimento, pode ser também substituído pelo processamento de biomassa para a produção de biometano como alternativa.
Relativamente à energia elétrica, esta é utilizada para alimentar sistemas de rega, operações de transformação, embalamento, conservação, armazenamento, iluminação, ventilação, aquecimento e refrigeração. Como observado anteriormente, a energia elétrica disponível para consumo em Portugal apresenta uma elevada quota de fontes renováveis, nomeadamente hídrica e eólica. No entanto, o recurso a subprodutos da atividade, ou biomassa, pode surgir como uma boa alternativa, não apenas do ponto de vista da transição energética, mas também da economia circular.
O consumo de produtos a nível interno, numa lógica de proximidade, constitui igualmente um eixo estratégico prioritário. Replicar bons exemplos de comercialização em circuitos agroalimentares curtos pode reduzir o consumo energético e as emissões poluentes, uma vez que diminui as necessidades de acondicionamento, transporte e refrigeração dos produtos.
Por fim, o case study sugere outras soluções que podem ser adotadas pelo setor agroalimentar, como a implementação de práticas agrícolas sustentáveis e a minimização de resíduos.
Em conclusão, a transição energética no setor agroalimentar requer uma abordagem integrada, que considere todas as etapas da cadeia de valor. A implementação de soluções inovadoras, como a otimização da eficiência energética, o recurso a biocombustíveis, a eletrificação dos veículos, o aproveitamento de fontes renováveis de energia – incluindo a valorização da biomassa, designadamente a proveniente de subprodutos do setor – e a promoção de circuitos curtos de comercialização poderá ter um impacto significativo na redução das emissões e no reforço da soberania energética nacional.
Fontes:
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