Para muitos portugueses, os “anos dourados” já não reluzem como dantes. Por prazer ou por necessidade financeira, há cada vez mais portugueses a trabalhar depois da reforma, aproveitando para compor o orçamento mensal e reforçar a poupança.
No final do século XX, os anúncios de publicidade a produtos de poupança para a reforma usavam a mesma imagem para descrever o aposentado do futuro: um casal de cabelo branco, numa cadeira de praia, a beber uma bebida fresca. O conceito era claro como a água que se via no fundo da imagem: com a ajuda dos produtos financeiros, os reformados não tinham de perder qualidade de vida na fase da vida em que não podiam, ou não queriam, trabalhar.
Os produtos financeiros continuam a ajudar os portugueses a preparar-se melhor para os anos do descanso, mas nem todos conseguem deixar de trabalhar quando atingem a idade da reforma. O que está por detrás desta nova tendência e quais as opções para quem não quer, ou não pode, reformar-se na hora certa?
Para percebermos o dilema de muitos portugueses que caminham, a passos largos, para a reforma, vamos aos números. Em 2025, a idade da reforma será de 66 anos e 7 meses. Mas as pessoas estão a viver cada vez mais tempo: apesar de a esperança média de vida em Portugal, em 2023, situar-se nos 84,75 anos, há cada vez mais pessoas a viver até aos 90 e, inclusive, até aos 100 anos - o número de centenários portugueses bateu o recorde em 2023, para 3149 cidadãos, cinco vezes mais do que em 2001.
Imaginemos o caso (fictício) do João, que quer reformar-se em 2025, aos 66 anos, e viverá até aos 96 anos.
O João viverá cerca de um terço da vida, 30 anos, reformado. Neste período de tempo, terá de suportar o aumento do custo de vida (por exemplo, devido à inflação), e vai receber uma pensão de velhice que será inferior ao último salário. Este decréscimo de rendimento disponível é agravado pelo facto de o João se encontrar numa fase da vida em que os custos com a saúde tendem a aumentar.
Cada caso é diferente, mas muitos portugueses terão uma dúvida quando chegar a altura de “pendurar as botas”: quais as opções em cima da mesa para prolongar a vida ativa?
Continuar a trabalhar após a idade da reforma pode acontecer por dois motivos:
Continuar a trabalhar após a idade da reforma pode acontecer por dois motivos: por prazer ou por necessidade. No primeiro caso, o trabalhador, apesar de não necessitar do dinheiro para manter o estilo de vida, sente-se física e mentalmente preparado para continuar a sua atividade e dar o seu contributo à sociedade.
Acontece sobretudo com pessoas que têm níveis elevados de escolaridade e profissões com menor desgaste físico: advogados, médicos ou professores universitários, por exemplo. Há, ainda, quem aproveite estes anos para cumprir sonhos pessoais ou profissionais, como abrir o seu próprio negócio ou explorar novas áreas de atividade.
No segundo caso, o trabalhador adia a reforma porque sabe que os seus rendimentos mensais irão diminuir - fruto de uma taxa de substituição, o rácio entre a pensão e o último salário, em queda.
Ao continuar a trabalhar, mantém o nível de vida dos últimos anos e acede a uma bonificação, calculada a partir do mês seguinte àquele em que atingiu a idade da reforma, com o limite dos 70 anos. A partir dessa idade, o trabalhador pode continuar no ativo, mas já não receberá a bonificação que ajuda a compor a futura pensão.
Lúcia Andrade, 68 anos
A empregada de escritório poderia ter-se reformado em 2022, quando completou 40 anos de descontos para a Segurança Social. Porém, dado que o valor da reforma seria insuficiente para cumprir as suas obrigações financeiras, decidiu continuar a trabalhar e, assim, a reforçar a sua poupança para a reforma. Dentro de dois anos, quando atingir o limite da idade de reforma, aos 70 anos, beneficiará de uma bonificação de 24% na pensão de velhice (1% x 24 meses).
Outra das opções que tem à disposição é reformar-se e continuar a trabalhar. Este regime híbrido permite-lhe acumular uma pensão de velhice com um salário. Quem decide trabalhar reformado fá-lo, muitas vezes, no mesmo empregador. Mas pode trabalhar para outro empregador, por exemplo, e também em nome próprio.
A partir dos 70 anos, porém, a relação contratual sofre alterações. O contrato de trabalho por tempo indeterminado, ou sem termo, acaba nos 30 dias que seguem ao 70.º aniversário do trabalhador e converte-se num contrato a termo certo (prazo), por seis meses.
Trabalhar reformado é uma tendência cada vez maior. Em 2023, de acordo com o Instituto Nacional de Estatística (INE), mais de 13% dos pensionistas continuavam a trabalhar após a reforma, em Portugal. O INE avança com dois motivos: para terem um complemento financeiro à reforma ou para se manterem ativos e socialmente integrados.
António Martins, 72 anos
Quando atingiu a idade da reforma, o médico reformou-se do Serviço Nacional de Saúde e passou a trabalhar numa clínica de saúde do setor social. Apesar de não precisar do dinheiro, António continuou a trabalhar por paixão, pelo prazer de se manter ativo e por ajudar as pessoas da sua comunidade.
António acumula a pensão de velhice da Segurança Social com o salário pago pelos serviços prestados, a tempo parcial, na clínica de saúde. Paralelamente, o médico colabora com outras clínicas privadas, exercendo medicina geral e familiar. No final do mês, o rendimento é a soma dos três salários.
O envelhecimento da população há muito que faz soar campainhas nos economistas, fiscalistas, e na própria sociedade. Nos últimos anos, vários países europeus têm tomado medidas para melhorar a sustentabilidade dos sistemas de pensões, sendo uma delas a reforma a tempo parcial. Este regime, que ainda não está implementado em Portugal, prevê a passagem gradual do trabalhador para a reforma, através da redução da carga horária. Neste cenário, pode acumular parte do salário com parte de pensão de velhice.
A necessidade de preparar a reforma com tempo e, ao mesmo tempo, ajudar o sistema português de pensões a tornar-se sustentável tem sido mencionada, por diversas vezes, por especialistas em Segurança Social e pensões. Assim, espera-se que, nos próximos anos, haja um acordo para implementar um regime de trabalho parcial no nosso país.
O futuro é imprevisível, mas existem estudos, estatísticas e dados que nos dizem que vivemos cada vez mais tempo, por um lado, e que teremos pensões de reforma substancialmente abaixo do valor do nosso último salário, por outro. Só há, assim, uma forma de combater a imprevisibilidade: constituir uma poupança de longo prazo que nos ajude a combater a longevidade, a inflação e os custos dos crescentes problemas de saúde.
Porque uma coisa é trabalhar reformado por prazer e missão de vida. Outra é fazê-lo por necessidade e obrigação. O que prefere?
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